segunda-feira, novembro 26

regenerado

Já morreu. “Morreu? tá morrido!” como dizia, ligeiro, “ti Fulgêncio”, alcoólico ancião de Aires, Palmela.
Sei que é incorrecto escrever agora mas, antes, tudo fiz por ignorar a pessoa e os seus passos em vida. Sei que passaram quase quatro décadas. Sei sobretudo que NÃO DEVO, mas não resisto.
É trauma por resolver. Se existem traumas de infância este é um deles:
Ano lectivo de 70/71. Escola Preparatória de Bocage a funcionar em escola primária do “plano centenário” com dois pisos e pavilhões pré-fabricados em Montalvão, Setúbal.
Miúdo calmo, eu, lourinho angélico, delicado filho único dos papás, com 10 anos.
Turma masculina, a mais bem comportada de todas que até serviu de cobaia para a integração marginal de meia dúzia de meninas ao fundo da sala, primeira tentativa de mescla sexual no ensino na cidade.
Enfim – bons rapazinhos.
O Mário, o Rui, o Nuno, o Passos, o Tavares, o Puna, o Palma, os outros Paulos, o Fausto, o O'Neill, outros mais. Todos crianças.
É por isso que me revolto ainda. Criancinhas sem direito a reclamar.
Todos filhos de pais que também não tinham direito a reclamações.
Chegávamos a casa com o pescoço negro, negro escuro, dos “calduços” tão fortes que alguns meninos mais frágeis (quem não é frágil com 10 anos?) abatiam-se com o nariz no chão. E apenas porque falávamos. Por nada. Por sussurrarmos ao parceiro. Tamanha violência. Inexplicável brutalidade. Imaginem o pavor naquelas aulas de Ciências da Natureza.
Enaltecem-se agora os feitos de Maurício Costa. O mestre que se penitenciou, depois, das impiedades cometidas.
Felizmente regenerou e eu não soube. Paradigma do movimento associativo do concelho, vai ser homenageado.
Que descanse em paz. Merece. Fez de mim um homem de forte pescoço.
PC
PS.: Não devia ter contado isto pois não?

13 comentários:

Anónimo disse...

como eu te compreendo!
o maurício foi meu prof. no ciclo, mas na av. de angola.

César Marrafa disse...

Devias ter contado, SIM!!!!
Eu também andei no Montalvão e quando o Prof. Maurício era director da escola. So o facto dele ter morrido me faz ficar por aqui. Paz à sua alma.

Anónimo disse...

Assim se lavam as memórias.
Esse senhor foi saneado em 74 por uma comissão de alunos, auxiliares e colegas. Não consta do currículo que diz que foi transferido para o Barreiro.

Anónimo disse...

Olá Paulo: o teu comentário é de uma grande oportunidade. Também me incomodam estas homenagens. E não as percebo. Mesmo depois de ter sido professor, já civil, o homem não fez nada que se veja. O que fica, de facto, é a violência que exercia sobre os "ferozes" alunos. Também tive a desdita de testemunhar a sua acção "pedagógica". Se alguém quer o exemplo do que é um fascista puro e duro pode pôr este professor na moldura.

Já agora, para não te sentires sozinho: em 1998, trabalhava eu na Expo, solicitam-me uma entrevista na RádioAzul. Acho que tinha a ver com a minha actividade de então. De repente a entrevista é interrompida para falarem em directo com o tal Maurício, que liderava um movimento qualquer contra a co-incineração. É claro que não fiz a figura do Santana. Achei até perfeitamente normal a interrupção. Mas a coisa não ficou por ali. A entrevistadora, enlevada em admiração pelo senhor, resolveu perguntar-me o que achava do dito. Respondi que não achava nada porque não tinha qualquer respeito pela figura em apreciação. O ambiente não ficou lá grande coisa, como deves calcular, mas foi assim.

Percebo que os seus pares o reconheçam como grande figura da cidade. Eu acho que o respeito pela memória tem outros requisitos. E a minha cidade é outra, de certeza aboluta.

Quanto ao teu texto, que está óptimo, pode muito bem ser a resposta ao meu apelo, do passatempo que o Zé Simões inventou.
Vale a pena recordar o bom e o mau. Para que o mau não caia no esquecimento, e não volte como coisa boa.

Anónimo disse...

Alguem sabe-me dizer onde vai ser a rua com o nome dele para nunca lá passar

Anónimo disse...

Que vergonha, meus senhores! Que vergonha!

Anónimo disse...

só p´ra dizer o seguinte:
na reunião do seu saneamento em 74 apenas constavam 2 alunos: o Zé Miguel e eu. A reunião teve lugar na sede do MDP/CDE, hoje edificio do comando da PSP. Tanta volta que a vida dá.
Senti um orgulho enorme. Tinha apenas 12 anos. Já agora continuem-me a cilindrar em Setúbal e enalteçam os fascistas, força camaradas

César Marrafa disse...

Já agora, conto um episódio.
1º ano do Ciclo. Montalvão.
Certo dia, estávamos a jogar à bola no pátio da escola. O Maurício, então director da escola, viu e agarrou um colega da minha turma pelos cabelos. Esticou-lhe o pescoço e deu-lhe uma valente bofetada, ao bom estilo nazi.
O miúdo caiu no chão redondo. O Maurício virou costas e seguiu, tranquilo e com ares de quem tinha vencido um exercito. Mas teve azar...O miúdo levantou-se e agarrou a pedra que estava mais perto. Era uma daquelas que chamávamos "da calçada". Deu-lhe uma pedrada nas costas que o Maurício ficou com falta de ar e nem conseguia falar.
O miúdo fugiu e apanhou 25 dias de suspensão.Foi a ultima vez que o vi. Soube, mais tarde que tinha sido expulso e que tinha ido para um colégio interno, por iniciativa do pai. O nome dele é,ou era, José Manuel Brito de Sousa, alentejano de Beja.
Se souberem de alguma homenagem que lhe façam, avisem-me que eu vou.Com todo o prazer!

ps: Só para dizer, para que se faça justiça, que guardo, de todos os professores que tive na altura, as melhores recordações.Ainda sei o nome de todos eles.Valha-nos isso...

Anónimo disse...

A homengem só pode ser conduzida por rapaziada mais nova que nós que não viveu a brutalidade ou por recém chrgados à cidade a quem nunca isso foi contado e que já o conheceram depois de ter tomado as pípulas de democracia de efeito rápido

Anónimo disse...

Pois é, a democracia ou o suposto estado democrático em que vivemos tem destas contradições, que nos fazem pensar se se esta a agir seriamente ou a ocultar/branquear histórias de vida...
Não conheço esse caso, mas conheço um semelhante: em Pinhal Novo, o "maldito" Prof. Manuel Agostinho tem também - para grande insatisfação/indignação de todos quantos passaram pela sua escola particular - nome de rua, com o cognome de Mestre-Escola. A proposta foi da Junta e a Câmara corroborou... dá que pensar...

Anónimo disse...

por isso, caro anónimo, contínuo a dizer aos camaradas para continuarem a desprezar os Homens de coragem e elogiar os fascistas. É que tanto a Junta de Pinhal Novo como a Câmara de Palmela sempre foram do PC, né verdade?

Anónimo disse...

Eu também acho que se devia fazer uma homenagem ao Quim Gouveia.
Queres quê te chupe Maria ?????

Anónimo disse...

Mais vale uma boa Maria que um anónimo armado em parvo. E o burro sou eu?